Em tempos de promoções avassaladoras e descontos que parecem irrecusáveis, como a famosa Black Friday, é comum que muitos busquem oportunidades em mercados alternativos.
Um desses mercados é o de leilões judiciais, que frequentemente oferece bens a preços abaixo do valor de mercado, no entanto, é crucial entender que o “deságio” (desconto) encontrado em um leilão judicial não tem absolutamente nenhuma relação com as táticas comerciais da Black Friday, ou seja, estamos falando de mecanismos com naturezas, propósitos e regulamentações completamente distintas.

Black Friday: A Estratégia Comercial do Consumo
A Black Friday é um evento de vendas anual, amplamente conhecido por oferecer grandes descontos em produtos e serviços. Originária dos Estados Unidos, seu objetivo principal é impulsionar o consumo, liquidar estoques e atrair clientes através de promoções agressivas, geralmente marcando o início da temporada de compras de fim de ano.
Neste cenário, os descontos são definidos pelas empresas com base em estratégias de marketing, margens de lucro, concorrência e volume de vendas. Embora possa haver regulamentação sobre publicidade enganosa, a precificação é, em sua essência, uma decisão comercial para atrair o consumidor e gerar receita.
Leilão Judicial: O Rigor da Lei e a Justiça Processual
Em contrapartida, o leilão judicial é um ato processual solene, regulado pelo Código de Processo Civil (CPC), seu propósito não é comercial, mas sim o de satisfazer um crédito ou liquidar um patrimônio sob determinação da justiça.
Os bens levados a leilão não são oferecidos voluntariamente pelo proprietário em regra geral; em vez disso, são penhorados para garantir o pagamento de dívidas, e nesse processo de execução, o juiz determina a constrição de bens que pertençam ao devedor. Esses bens podem ser imóveis (terrenos, casas, apartamentos), veículos, máquinas, cotas de empresas, joias, obras de arte, entre outros, desde que não sejam considerados impenhoráveis pela lei (como o bem de família, salários, etc.).
Uma vez penhorados e avaliados, esses bens são levados a leilão público, a finalidade do leilão é transformar esses bens em dinheiro para que o valor arrecadado possa ser utilizado para quitar, total ou parcialmente, a dívida que motivou a ação judicial. É, portanto, um instrumento legal para garantir a eficácia das decisões judiciais e a satisfação dos direitos dos credores.

O “Deságio” no Leilão Judicial: Uma Questão de Equilíbrio Legal
A principal diferença e o ponto de confusão para muitos está no valor pelo qual os bens são arrematados.
Em um leilão judicial, especialmente em um segundo leilão, a possibilidade de arremate por um valor abaixo da avaliação inicial, o que alguns popularmente chamam de “desconto” ou “deságio” – não é uma “promoção” no sentido comercial da Black Friday, pelo contrário, é uma medida ordenada e controlada pelo magistrado, fundamentada em preceitos legais e jurisprudenciais, visando um equilíbrio delicado.
O Artigo 891 do Código de Processo Civil (CPC) é fundamental para entender essa dinâmica:
Art. 891. Nenhum bem será arrematado por preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz, e o preço mínimo não poderá ser inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.
Parágrafo único. O juiz poderá, a qualquer momento, por iniciativa própria ou a requerimento das partes, ajustar o preço mínimo, se verificar que o valor da avaliação está defasado ou que a situação do mercado exige um preço diferente.
Isso significa que, em um segundo leilão, o valor de arremate pode ser fixado pelo juiz em até 50% do valor da avaliação atualizada do bem. Essa prerrogativa legal existe por algumas razões cruciais:
- Preservação do Equilíbrio Processual: Um valor muito alto no segundo leilão poderia inviabilizar a venda, prolongando o processo e prejudicando tanto o credor (que não recebe) quanto o devedor (que continua com a dívida e o processo ativo).
- Meio para Pagamento dos Credores: O deságio serve para tornar o bem mais atrativo e viabilizar sua venda, garantindo que o credor possa receber, ao menos em parte, o que lhe é devido. Sem a venda, o processo se arrasta e o crédito permanece insatisfeito.

O Conceito de “Preço Vil”
É importante ressaltar que o limite de 50% não é arbitrário. Abaixo desse percentual (ou outro estabelecido pelo juiz conforme as particularidades do caso e do mercado), a jurisprudência brasileira entende que a arrematação pode ser considerada por preço vil.
O preço vil é aquele considerado irrisório ou excessivamente baixo, que desvaloriza o bem de forma gritante e representa um abuso de direito, prejudicando o executado sem trazer vantagem proporcional ao credor. Uma arrematação por preço vil pode ser anulada pelo tribunal, invalidando a venda.
Em suma, enquanto a Black Friday é um evento comercial que opera sob a lógica da oferta e demanda para impulsionar o consumo, o leilão judicial é um ato jurídico formal e complexo, com a finalidade de realizar justiça e satisfazer créditos. O “deságio” que pode ser encontrado em um segundo leilão judicial não é uma “promoção”, mas sim um reflexo de uma decisão judicial embasada em lei, buscando o equilíbrio entre a necessidade de vender o bem para pagar o credor e a proteção do patrimônio do devedor contra arrematações por valores irrisórios.
Portanto, ao se deparar com a oportunidade de adquirir um bem em leilão judicial, é fundamental compreender sua natureza legal de A a Z e as nuances que o distinguem de qualquer tipo de “promoção” comercial.